Tatiana Pereira Felippe
Quando a criança nasce, lhe é apresentada uma série de informações e estímulos desnecessários: luzes, sons, brinquedos sobre o berço, dentre tantos outros objetos que não possibilitam que explore seu próprio corpo.
A criança vem ao mundo com uma força interna muito grande. Ela descobre o espaço e o tempo vagarosamente. E o primeiro espaço que ela habita é o próprio corpo, ou seja, este é o seu primeiro ambiente, onde ela vai aprender a se olhar, se tocar, se apropriar de seus movimentos, brincar e explorar o físico e, também, sentimentos e sensações que vêm nestas descobertas.
Ela precisa de espaço para brincar com o próprio corpo, se movimentar, explorar ambientes e, em seguida, podemos ajudá-la ao inseri-la no ambiente da natureza, proporcionando novas vivências. Essa possibilidade lúdica que a natureza oferece, faz com que a criança tenha um movimento amplo -- correr, brincar, se equilibrar, sentir dor, cair, levantar -- tudo o que fará parte de seu cotidiano.
Atualmente, a tecnologia foi inserida na rotina infantil como uma forma de entretenimento, distração e um brincar sem vida. A substituição do brincar por objetos tecnológicos vem trazendo alguns malefícios e fazendo com que as crianças percam a essência do verdadeiro brincar.
Na visão antroposófica, o brincar é de grande importância e deve respeitar todas as fases da criança, sem oferecer aquilo que ela ainda não está preparada para receber neurológica, fisiológica, motora e emocionalmente. Partindo do princípio de que a criança tem a necessidade de se desenvolver harmonicamente, para que isso ocorra de forma completa, precisamos inseri-la em um ambiente adequado.
Quando colocamos uma criança na natureza, oferecemos a ela a possibilidade de explorar, de vivenciar todo o ambiente e de se desenvolver naturalmente, descobrindo sensações e emoções que futuramente farão a diferença.
E é fácil de ver isso: quando uma criança brinca de pega-pega no parque e tropeça, caindo em cima de algum tronco, estamos possibilitando que ela observe melhor antes de passar por ali novamente, para não sentir a mesma dor ou até mesmo aquele tronco que a machucou se transforma em uma pequena ponte, onde ao invés de ser removida do caminho, a sua imaginação insere aquele obstáculo na brincadeira.
Mas o que acontece se eu retirar esse tronco do caminho no momento da brincadeira? Certamente estarei impossibilitando que essa criança vivencie e desenvolva sua imaginação de uma forma saudável.
Esta não é a realidade, não é mesmo? É natural que nós, como pais, removamos os obstáculos do caminho da criança, facilitando sua vida. No entanto, precisamos fazer o exercício de possibilitar que a criança brinque naturalmente, sem intervenções. Só assim o desenvolvimento acontecerá de forma saudável e essas vivências durante a infância serão riquíssimas futuramente, trazendo leveza, segurança e autoconfiança.
É importante deixarmos a criança brincar livremente, mas isso não significa que seja um brincar sem limites. Muito pelo contrário: há o brincar livre e o brincar direcionado, com regras e limites.
Na brincadeira livre, ela tem um longo tempo para explorar todo o ambiente e objetos que ali são proporcionados de acordo com a sua faixa etária. Neste brincar livre, a criança se entrega, vivencia com intensidade. É algo divino!
Quando essa criança chega ao Jardim de infância Waldorf, ela tem essa possibilidade, na qual ela mesma cria as regras da sua própria brincadeira, tem autonomia para lidar com diversos tipos de adversidades -- até mesmo quando entram em conflito, é possibilitado que ela e os colegas se resolvam sozinhos, sem interferência de um adulto. A importância do brincar livre é tão séria que ao longo do tempo vai nutrindo a alma imaginativa da criança a ponto de deixá-la mais preparada para lidar com a vida.
Já o brincar orientado é aquele no qual a criança é direcionada a uma atividade lúdica: teremos regra a ser seguida, limites e diferentes níveis de complexidade, trabalhando a capacidade cognitiva e auxiliando no desenvolvimento. Nessas atividades dirigidas, as crianças aprendem a esperar por sua vez, de modo que entendam que existe o perder e o ganhar, mas que aguardar não é uma competição.
Observei uma preocupação muito grande das famílias em intelectualizar as crianças ao longo dos anos, pensando somente em explorar seu potencial ao prepará-la para o vestibular e esquecendo o principal: seu lado emocional e o preparar para a vida.
Existe um mito de que o aluno do Jardim de infância só está brincando, sem adquirir qualquer conhecimento. E é o contrário: ao brincar ele adquire novos conhecimentos, aprende a lidar com seus sentimentos, a se colocar no lugar do outro, a dividir, a entender que pode ganhar um ralado no joelho e está tudo bem, a ser uma pessoa íntegra.
O brincar está para a criança como está para nós o trabalho. Daí a sua extrema importância e seriedade. Steiner diz que “não há, basicamente, em nenhum nível, outra educação que não seja a auto-educação”. Isso significa que nós, educadores e pais, podemos oferecer um ambiente propício no qual a criança pode se desenvolver, e se autoeducar.
Tem sido extremamente desafiador estabelecermos um ritmo adequado para a turminha durante este período de isolamento, com um brincar de qualidade. Ao mesmo tempo, as possibilidades que estamos tendo de poder desenvolver o olhar do que estamos oferecendo aos nossos filhos e acompanhar suas conquistas diárias são conquistas riquíssimas! Não existe uma receita, mas temos a chance de oferecer um desenvolvimento saudável neste primeiro setênio da criança e só depende de nós.
Tatiana Pereira Felippe
Pedagoga / Especialista na Educação Especial.
Atua no Jardim de Infância Waldorf na Escola Alecrim Dourado
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