Por Stella Ferreira
Há exatos dois anos comecei meu estágio da Pós Graduação em Artes-Manuais para Educação com crianças do jardim da infância numa escola pública em São Paulo. A proposta era ensinar trabalhos manuais usados na Pedagogia Waldorf com crianças no primeiro setênio. Escolhi então o tricô de dedo e pompons, mais adequados à idade deles, já que iriam para o primeiro ano do ensino fundamental no ano seguinte.
A classe era grande, com 30 alunos entre 5 e 6 anos de idade. Pulavam como pipocas, brincavam e falavam o tempo todo. O primeiro dia que cheguei na aula, despertou a curiosidade: quem eu era, de onde vinha, o que tinha na minha sacola?
Então fui apresentada pela professora, sentamos e começamos a conversar. Como são curiosos e alegres! Comecei a contar o que eu fazia, que iríamos conhecer a história da lã, das ovelhas, dos fios, aprender a tricotar com os dedos. Essa conversa despertou interesse geral, tanto que no outro dia estavam ansiosos aguardando a minha chegada com a tal sacola que guardava um segredo.
Contei histórias, pegaram e cheiraram as lãs suja e limpa, conheceram os fios. As reações muitas vezes foram engraçadas com caretas, comentários e grande envolvimento e alegria. E nesse momento, percebi que parte destas crianças, não sabia que a partir dos fios se faziam gorros, casacos, cachecóis; estão acostumados a comprar as peças prontas nas lojas e desconhecem o processo do fazer.
Depois foi a vez de transformar as meadas em novelos para aprender a tricotar. Muita diversão nessa hora! Os pequenos grupos se apoiavam e trocavam as funções. A movimentação era intensa e já chamava a atenção de alguns professores e crianças de outras salas.
E assim caminhamos entre pequenas dificuldades, pontos largos, pontos justos, tricôs compridos e tricôs curtos, desatando um nó aqui e outro ali e claro, bagunçando na aula algumas vezes, porque qual criança não gosta de fazer um bololô com os fios?
Cada grupinho tinha sua característica: aqueles que já estavam mais atentos, os que falavam muito, os que ajudavam os amigos mostrando como já tinham aprendido direitinho, os que ainda não conseguiam se sentar e concentrar por muito tempo. E com cada um deles aprendi uma coisa diferente. A solidariedade entre eles era linda de se ver. Relembrando o amigo de como fazer, ajudando a arrumar os fios nos dedos, ensinando como trocar a cor.
Depois dos tricôs, foi a vez dos pompons. Que farra fazer pompons! Se transformaram em enfeites de árvore de natal, colar, pulseira, tiara, chaveiro e outras ideias mais.
A essa altura, a escola inteira já sabia que algo contagiante acontecia ali naquela sala. As professoras vinham nos visitar para entender o que estava havendo que as crianças se empolgavam e contavam os dias chegar nossa aula. As crianças das outras salas também queriam participar, mas só pude ter uma convidada.
Nos dias que não tínhamos aula, as crianças começaram a pedir para as professoras de classe os fios para que pudessem trabalhar, e o pedido foi atendido: a escola comprou fios coloridos e eles se divertiam tricotando.
Durante todo o processo, me perguntei diversas vezes se as crianças comentavam em casa alguma coisa com os pais, se realmente tinham gostado, pois eles falavam muito pouco.
E a resposta veio depois de alguns meses, com os tricôs de dedo concluídos e pompons coloridos, usados para montar uma linda mesa na Mostra Cultural.
Foi nesse dia que constatei que o trabalho manual é um poderoso agente de transformação movimentando tanto a escola quanto a casa dos alunos. Os pais contaram que em casa alguns haviam largado a TV, outros pediram para comprar fios e os ensinaram; em outras casas houve um resgate das artes manuais presentes na família, a aproximação de avós e netos através de outras artes como o crochê e o bordado, trocando saberes. Pelos fios foram puxadas memórias antigas de famílias que vieram de outro estado e puderam relembrar e contar às crianças sua origem. Uma riqueza só!
Portanto, toda a movimentação gerada na escola envolvendo professores, alunos e direção e em casa, mostra o quão importante é o trabalho das mãos aproximando as pessoas, criando vínculos, trazendo a solidariedade, a atenção com o outro. Cada trabalho manual carrega a subjetividade de quem o faz, e o conjunto deles forma a história de uma família e de um povo. Através dos fios é possível a aproximação de gerações e o resgate da ancestralidade.
Com tanta vida e riqueza em mãos e chegada a hora de apresentar meu trabalho na pós, de que forma eu poderia representar tudo isso?
Criei um livro utilizando fios e tecidos naturais, fiz a capa com tricô de dedo, páginas em tricô e crochê com fotos e elementos que usamos nas aulas. Assim, pude tornar palpável e trazer para perto parte dessa vivência.
Stella Ferreira
Mãe Waldorf, arteira dos fios desde a infância, empreendedora, especialista em artes-manuais para educação, criadora e idealizadora da Fios de Estrela.
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